1 – Infraestrutura turística surpreendente
Do avião, uma cor marrom predominante, formada por regiões descampadas e estradas de chão, reforçava nosso imaginário de um país quase primitivo, com elefantes e locais vestindo roupas exóticas por todos os lados. Mas, assim que pisamos na capital, Phnom Penh, essa impressão ficou para trás. O aeroporto (um dos três do país) oferece um ótimo serviço a estrangeiros, com material impresso de qualidade, mapas e atendimento em inglês – idioma bastante falado por lá, inclusive. Ficamos surpresos mesmo levando em conta a dependência econômica do país no Turismo, uma vez que se trata de uma nação pobre, sem grandes recursos para investir no setor. Somente para efeito de comparação: o Brasil, com 200 milhões de habitantes, recebeu pouco mais de 6 milhões de turistas em 2015. Cerca de 1,5 milhão a mais que o Camboja (oficialmente, Reino do Camboja!), com uma população de apenas 15 milhões de pessoas. Além disso, temos um território 47 vezes maior, com muito mais atrativos. Por lá, o grande chamariz acaba sendo o belíssimo complexo Angkor, em Siem Reap.
2 – Um país tranquilo
Nos sentimos seguros no Camboja o tempo inteiro. Ouvimos apenas relatos de pequenos furtos nas áreas mais movimentadas. Nos subúrbios o clima parecia um pouco hostil, mas essa percepção tem muito a ver com a nossa cultura de atrelar violência à pobreza. Essa lógica talvez não se aplique aos cambojanos. Apesar de por lá também faltar direitos básicos para boa parte da população, isso parece não causar um efeito direto no aumento da criminalidade. No Brasil, assim como em boa parte do Ocidente, onde a vida está totalmente pautada no consumismo, a desigualdade somada a outros fatores parece conduzir nosso país numa direção contrária à de muitos destinos asiáticos por onde passamos. Muitos deles, embora muito pobres, são extremamente tranquilos para moradores e viajantes.
3 – Fácil viajar, difícil se relacionar
O processo do visto também é muito simples. Basta preencher o formulário no site, fazer o pagamento on-line de 25 dólares, imprimir o arquivo enviado por e-mail e apresentá-lo na imigração. Toda essa facilidade, a tranquilidade, os cartões-postais famosos, a interessante cultura local e o baixo custo do país o tornam um lugar bastante convidativo. Por outro lado, pelo menos nas regiões mais turísticas, achamos a relação com os cambojanos pouco amigável. Nos comércios, por exemplo, se você perguntar o preço de um produto e não levar, acabou o amor! Encontramos pessoas amáveis por lá, mas ultrapassar essa barreira foi um desafio. Talvez isso tenha ficado ainda mais notório pra gente pelo fato de termos vindo das Filipinas, o país do sorriso fácil!
4 – Comidas exóticas, dólares e nada de moedas
As ruas do Camboja são bastante empoeiradas, e os tradicionais markets (mercados populares) são um reduto infinito de moscas. Mas a gente encarava assim mesmo! Nenhum prato exótico passava despercebido. Cobra, grilo, larva, besouro, aranha e outros insetos foram provados e aprovados por mim. O melhor de todos foi o típico pong tia koun, o ovo de pato cozido com embriões parcialmente formados. Eu curti, principalmente por conta do tempero, mas a Amanda nem quis provar. O país adotou como moeda oficial tanto o Riel quanto o Dólar. A moeda americana é aceita em quase todos os lugares, mas pequenos trocos são dados sempre na moeda local. Alguns viajantes aproveitam a passagem pelo Camboja para sacar um pouco de dólar para usar nos países seguintes. Foi curioso saber que não há circulação de moedas no país. Menos uma pra coleção!
5 – Pedestre não tem vez
O trânsito do Camboja é uma coisa de louco. O tempo inteiro precisamos atravessar desviando dos carros e do mar de motos, pois não há muitos sinais para pedestres. Quando há, poucos respeitam. Até as calçadas ficam cheias de carros estacionados. O sistema de transporte mais utilizado por lá é o Tuk Tuk, que tende a ter o preço inflacionado quando o cliente é estrangeiro. Por isso, a dica é pechinchar. O limite máximo de velocidade nas vias urbanas do Camboja é de apenas 40 km por hora. Mas, não se engane. O caos torna o trânsito tão perigoso como nas grandes rodovias brasileiras. Precisou de gasolina? Em qualquer esquina você encontra alguém comercializando o combustível na garrafa pet. A gente só não garante a qualidade do produto!
6 – Obsessão por pele clara
Mesmo com o forte calor durante os meses secos, os cambojanos usam sempre roupas de manga, calça comprida, meia e até chapéu! Tudo para manterem um tom de pele claro. Mas, a questão por lá não é tanto racial. O problema é com os trabalhadores rurais. Por incrível que pareça, ser do campo é uma vergonha num país onde a maioria tira o seu sustento da Agricultura. Um dia, uma local questionou a Amanda em relação a uma blusa de alça que ela usava. Explicamos o nosso raciocínio: quanto mais calor, menos roupa. No final das contas, ela também não entendeu nada quando dissemos que o preconceito contra negros ainda persiste no Brasil, país de maioria negra onde quase todos admiram uma marquinha de pele queimada de sol. O preconceito alheio é sempre mais incompreensível, né?
7 – Um triste passado nem tão distante
Dois episódios extremamente lamentáveis ocorreram recentemente no Camboja. Entre 1965 e 1973, o país foi bombardeado pelos Estados Unidos. Quase três milhões de toneladas de bombas foram lançadas no território cambojano com o pretexto de destruir um movimento comunista que habitava a fronteira com o Vietnã durante a chamada Guerra da Indochina. Até hoje bombas explodem em regiões do país, matando e mutilando milhares de pessoas. Principalmente crianças. Tal fato deu força ao movimento guerrilheiro que provocou um golpe de estado em 1970 e causou a ascensão do terrível Khmer Vermelho – responsável por um dos maiores genocídios do mundo. O sangrento regime liderado pelo ditador Pol Pot dizimou cerca de 1,7 milhão de cambojanos (quase 1/4 da população). Isso tudo aconteceu há menos de quarenta anos e deixou graves sequelas na sociedade cambojana.
8 – Um país onde ser criança nem sempre é bom
Vimos muitas crianças sendo maltratadas e agredidas por pais e familiares. Obviamente também vimos gestos afetuosos entre as famílias. Mas, pense com a gente: os adultos de hoje são filhos e netos de um genocídio. Outro grave problema é a prostituição infantil. Estima-se que cerca de um terço de todas as prostitutas do Camboja sejam menores de 18 anos. É por isso que a atriz Angelina Jolie, sempre empenhada em causas humanitárias, decidiu adotar um de seus filhos no Camboja, para chamar a atenção do mundo para suas mazelas. Numa praia de SihanoukVille, vimos duas meninas, aparentemente com uns nove anos de idade, serem convidadas por um gringo para sentarem à mesa. A situação era nítida, mas com margem para ser desmentida. Não havia um policial sequer por perto para denunciar, e o entorno não parecia muito interessado no assunto. No hotel, um funcionário me contou que os pais provavelmente estavam davam cobertura ao crime e que as autoridades locais preferem fechar os olhos, uma vez que o turismo sexual acaba movimentando a economia do país. Triste demais.
9 – Voluntariado ou exploração?
Para piorar a vida das crianças, uma prática questionável acabou virando moda no Camboja: falsos orfanatos que atraem turistas dispostos a pagar para serem voluntários. Logo no aeroporto fomos orientados a não participar de tais iniciativas, que têm sido combatidas tanto pelo Governo quanto pelas entidades de proteção à criança, como a UNICEF. Tais “instituições” conseguem atrair crianças de famílias miseráveis que recebem para manter seus filhos e filhas nesses locais, deixando-as ainda mais expostas à pedofilia e ao tráfico de pessoas. Há, de fato, muitas crianças em situação de abandono pelo país. A fome é um grande incentivador. Caso você queira ajudar, procure uma instituição séria, recomendada e reconhecida pelas autoridades cambojanas, ou então faça de maneira independente. O que não vai faltar no Camboja é chance de ajudar o próximo sem a necessidade de intermediadores.
10 – Amizade colorida
Um costume muito estranho chamou a nossa atenção no Camboja. Predominantemente budista, o país tem uma cultura bastante machista, e o protagonismo feminino ainda se limita ao trabalho pesado. Logo nos primeiros dias, vimos homens heterossexuais andando de mãos dadas pelas ruas, trocando carícias e de conchinha. Tudo em público, sem constrangimento algum. O gesto não se repete entre mulheres e nem mesmo entre os casais heterossexuais. A verdade é que a troca de afetos entre amigos não deveria ser estranhada em lugar algum, mas percebemos no decorrer da volta ao mundo que quanto mais machista é a cultura de um país, mais direitos os homens têm. Inclusive de expressar afeto entre amigos, algo que não podem fazer com suas companheiras. Vale lembrar: o machismo também oprime os homens, embora sejam as mulheres as principais vítimas de nossa arcaica maneira de pensar e agir. Ah, e o título do tópico foi machista de propósito! Apenas para revelar meu próprio preconceito.