Xian, 25 de maio de 2014
Eu poderia dizer que estamos longe de casa há exatos 181 dias, mas a sensação é outra. É como se estivéssemos morando pelo mundo. Vagando por guetos, bairros, cidades, províncias. Em busca da comida mais barata, de uma mera cama pra dormir, da roupa nova por menos de um dólar. À procura de nós mesmos. Perdidos em meio a tantos encontros inesperados. Surpresos com o novo. Calados, mas não menos inquietos. Eu perdi quatorze quilos. Estou menos chato. E cada vez mais careca. Ela já não sente tantas dores de cabeça. Deixa o cabelo crescer sem aparos. Não pinta mais as unhas. A vida na estrada ganha mais sentido na mesma medida em que parece estar totalmente sem direção.
Viajar tem sido como olhar para um espelho quebrado: por vezes nos enxergamos em cacos, como talvez realmente sejamos. Perfeitamente incompletos. Na China, nos vemos correndo atrás da multidão acelerada como se estivéssemos atrasados. Clamamos por descontos em uma Índia de gente e preços miseráveis. Rimos dos homens vestidos de mulher na Tailândia como se nunca tivéssemos tentando mudar nada em nós. No Laos, desmerecemos alguns turistas enquanto eles alimentavam monges apenas por não vermos sentido nisso. Chamamos de ridículo o casal que tentava ser feliz em uma praia do Vietnã. Julgamos os pais do Camboja por baterem em seus filhos ignorando o genocídio vivido por eles em outrora.
Nas Filipinas, “esquecemos” de pagar uma passagem de ônibus alegando que já havíamos sido usurpados o suficiente. Também não fomos sempre pacientes a ponto de esperarmos pelos sonoros sinais verdes do Japão. Em Nova Iorque, tememos os negros do Harlem apesar de estarmos no território deles apenas para economizar com estadia. Tomamos as dores dos uruguaios quanto ao desprezo que alguns sentem pelos argentinos, mesmo tendo sido tão bem tratados por eles semanas antes. Da Argentina, aliás, não podemos dizer muito. De certa forma não estávamos lá por inteiros, pois neste momento nossas mentes e corações ainda percorriam o Brasil.
Tais vestígios denunciam o óbvio: continuamos os mesmos. Humanos. Falhos. Propícios ao meio, às situações, às adversidades, ao incerto. Quem somos nós agora? Não sabemos. Só o tempo irá dizer. E com ele virão as respostas, os novos caminhos, a prova real do que estamos vivendo hoje. Não há como falar em mudança em meio a tanta novidade. É preciso estar na labuta novamente. Com os nossos. Os de sempre, com os novos. Não estar de passagem faz toda a diferença. Acabaram-se os dias que precisamos sorrir sem querer. Cá estamos, de férias da chamada vida real, embora a nossa realidade hoje seja caminhar, caminhar e caminhar. Tentando não praguejar os dias de desânimo, e sim compreendê-los em nosso interior ingrato. Nem exaltar as pequenas dificuldades, pois os grandes desbravadores são seres imaginários que apenas tornam o possível distante aos olhos de quem de longe vê. Estamos simplesmente seguindo em frente.
Embora a gente tenha motivos de sobra para chorar com o mundo, ele nos surpreende o tempo inteiro com razões para acreditar. Mas tal compensação às vezes parece injusta. Fruto da nossa necessidade de superação. Otimismo ou conformismo? Vivemos numa insaciável busca por sentidos. Mas na verdade nada parece ter solução. São guerras que nunca acabam no coração do povo enquanto várias outras surgem. Vagões de trem lotados ao lado de camas vazias, à espera de quem possa pagar por elas. Mansões com janelas fechadas para a rua da amargura, onde empregados e serviçais fingem sobreviver durante as poucas horas de sono que lhes são permitidas. E o que dizer dos abraços, sorrisos, olhares e gestos de ternura e compreensão? Tudo isso é o pão nosso agora. O de cada dia, mas que a gente deseja conseguir transformar no para todo o sempre. Amém.
8 comentários
niiiiiiiiiiiiiiiiice
Sou fã de vcs, cara sensacional, acabei de assistir a reprise na Globo News, cara na boa que história magnificar roda o mundão com pouco dinheiro é o sonhos de todos, parabéns pela coragem, que Deus Abençoe o casal sucesso!
Obrigado, Clayton!
Gostei muito da atitude de vocês, tenho um blog parecido sobre minhas viagens e recebo muitas críticas principalmente daqueles recalcados que tem muito mais grana do que eu mas não tem atitude de ” cair no mundo”. Imagino que os verdadeiros amigos se alegram com atitude de vocês e apenas estes devem ser valorizados. Parabéns pela atitude, fico feliz quando leio história como a de vocês dois, grande abraço.
Meu blog: http://www.alandenis.wix.com/viajare10
Oi, Alan. O retorno, na maioria das vezes, é muito positivo. A gente não se incomoda com os comentários negativos, mas ficamos tristes pelos autores – que muitas vezes deixam de fazer o que querem ao se prenderem a preconceitos e opiniões tão absurdas. Por isso a gente faz questão de compartilhar um pouco do que temos aprendido por aí. Abração e parabéns pelo blog!
Cara, fã do seu blog!
Da sua coragem, da sua capacidade de se reinventar a cada dia nessa jornada IRADA que decidiu fazer….do seu entendimento do que é VIVER.
🙂 Parabéns…..e me deu até vontade de fazer o mesmo viu….rsrs
Beijos
Muito obrigado pelo comentário, Cris! Caso decida por uma volta ao mundo também, estamos aqui para o que você precisar. 😉
Grande beijo, tudo de bom!
A simplicidade de aceitar, de crer, de buscar – aceitar o diferente
como igual, de crer que sua verdade não é absoluta, de buscar o novo que já existe a muito tempo. A perfeição de reconhecer sua imperfeição.
De aceitar: o impossivel como possivel
o tradicional como atual
o simples como sofisticado
o tudo de alguem como nada e o nada como tudo
Seus limites são delimitados por voces, a vida é simples; viver , aprender e repassar, melhorar como pessoa para ´si e para o mundo.
Voces estão crescendo como pessoas com as novas experiencias. novos conhecimentos e isso me deixa feliz apesar da ausencia, do papo direto, de ouvir as divergencias convergindo para o entendimento, abraços amo voces.